quarta-feira, 11 de março de 2009
«O Festival das Açordas Sem Pão»
Pelo terceiro ano consecutivo a Câmara Municipal de Portel levou a efeito um certame que denomina de «Congresso das Açordas».
Primeiro, com alguma esperança de, no seu «festival», o poder autárquico se não esquecer de homenagear os famintos que dignamente sobreviveram durante séculos alimentando-se frugalmente, depois, com a amargura de constatar como afronta a selvajaria alimentar promovida, temos acompanhado a realização, cada vez mais repositória dos banquetes dos ministros de Salazar que o saudoso Jaime da Manta Branca bem retratou em mais uma (verdadeira) homenagem à «Cultura do Pão» num conhecido improviso forçado pelo patrão Magalhães, na presença do Ministro da Agricultura de então, enquanto os senhores se encharcavam em vinho e devoravam um churrasco de uma vitela poupada à fome que o gado do anfitrião suportava e o «Grupo de Cantares (e dançares) Regionais» da povoação (Cano) interrompia a (sua) função apaziguadora das (justas) tensões sociais que a ditadura alimentava muito melhor que o Magalhães a sua «Boiada».
O Jaime, ameaçado de ficar sem os marrocates que o patrão lhe ia dando como paga do seu imenso trabalho de «ganhão», sem perder a dignidade de quem se sente violentado, avançou para o improviso que teve como mote:
Não vejo senão canalha
De banquete para banquete
Quem produz e quem trabalha
Come açordas sem azeite
O Poeta Popular «Carapinha», de Figueira e Barros, então também «ganhão à do Magalhães», testemunha presencial, confirmou-nos que «o Jaime ditou-as até ao fim», isto é, glosou o mote por inteiro, imagina-se com que mal estar para os senhores…
Vantagem da Democracia, hoje os cantares e dançares regionais, tal como a selvajaria alimentar, não são exclusivo de «canalhas», «todos» se podem servir… Só é preciso ter alguns euros (prá entrada e prós comes).
Desvantagem máxima, está democratizada a incultura!
Estamos seguros, se o nosso Jaime se aproximasse do certame seria impedido de «incomodar» por qualquer polícia arregimentada pelo poder, que mais não fosse porque os poetas populares de agora têm que usar gravata e ir à manicure (certificada pela ASAE?) antes de actuarem enquanto decorre o repasto do «Povo votante» e dos senhores Turistas que trarão (?) desenvolvimento à região.
E trazem, pelo menos no aumento do custo de vida na proporção directa do decréscimo da sua qualidade. Sempre pensando no «interesse nacional», concretizado em empreendimentos fartamente subsidiados pelo erário público. Como a banca...
Sempre e só para reforçar o interesse económico. Que nos condiciona o viver.
Contudo, há quem especule, provocatoriamente(?) que:
- os donos das grandes cadeias alimentares que promovem e veiculam o lixo alimentar que provoca e agudiza tantas doenças;
- os donos da Indústria Farmacêutica que produz os medicamentos para «tratar» as ditas doenças;
- e os donos das Clínicas, Hospitais - e qualquer dia também dos Ministérios da Saúde! – que autorizam, prescrevem e utilizam aqueles medicamentos para tratar aquelas doenças
são os mesmos, ou pelo menos… da mesma «família»!
Tal como os políticos que promovem as suas regiões (onde a fome voltou a existir) confundindo as frugais açordas com selvajaria alimentar. Lamentavelmente com a complacência de pressupostas personalidades do mundo científico que já estão, sem o saberem, no caixote do lixo da História.
(João Madureira, in Emílio Peres, – O Médico, O Professor, O Orador, O Escritor, O Político, O Ilustre Sabedor… - «Sem Cultura Não Há Liberdade», págs. 87 e 88, edição da Universidade do Porto, Novembro de 2008)
A Confraria do Pão que Emílio Peres, sem virar a cara a sacrifícios e canseiras, como era seu timbre, ajudou a erguer, só saberá estar à altura da excelência e do rigor do patamar a que ele nos habituou se assumir, como nós, o incómodo destas denúncias.
Em nome do Pão, «não como um pretexto, mas sim como o cerne de um estilo alimentar e de vida, que urge preservar».
E da defesa (médica) da Saúde assente na frugalidade, na sobriedade e no clarividente respeito pela caminhada de milhares e milhares de anos de persistente aperfeiçoamento – afinamento, nas suas doutas palavras!
Porque, como sublinhou Abel Mariné-Font, Professor da Faculdade de Barcelona e uma das maiores autoridades em «Dieta Mediterrânica»:
“É importante que se diga que
aquilo a que chamamos Alimentação Mediterrânica
é a alimentação quotidiana das classes populares do Mediterrâneo,
a qual é historicamente frugal
e basicamente vegetal com predomínio de cereais e legumes”.
(in Actas do I Congresso de Cultura Mediterrânica, «A Sopa: Conceito e Papel na Bacia Mediterrânica», pág. 272, edição da Confraria do Pão (Alentejo), Novembro de 2002)
Pão e Sopa, braço dado, caracterizam, portanto, a essência desta Alimentação.
E não consta que o esfomeado Lazarillo de Tormes, nos seus sonhos, tenha visto a face de Deus em figura de patinho e muito menos das suas «açordas». Via-a em figura de Pão, o incansável mitigador da fome que, com um pouco de água e uns escassos poejos, mesmo sem azeite, saciou tantos e tantos antepassados dos patos bravos de agora.
Em tempo, esta «provocação» inaugural do Blog tornou-se imperiosa face ao comentário de um visitante do «Festival» que, esta manhã nos confessou a sua desilusão por lá não ter encontrado «pão verdadeiro», como entende necessário para fazer uma verdadeira AÇORDA!
Terminando, por hoje, sem preconceitos politiqueiros, fico a meditar no facto do Senhor Presidente da Câmara de Portel, organizadora do «Festival», ser também o Presidente da Federação Distrital do Partido Socialista.
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Bom dia
ResponderEliminarAfinal as açordas de Portel, as do Festival, pelo menos, não tinham pão verdadeiro e houve quem comesse tudo menos açorda! Ora bolas, e eu que estava a pensar organizar um grupo de gente para uma ida ao próximo festival, na condição de alentejano a amante da iguaria.Foi assim tão mau? Nem um único cozinheiro de açorda que se aproveitasse? Uma barraquinha, um standezinho, qualquer canto onde alguém, assim pela surra, servisse uma açorda que valesse a pena...!
José Mestre