domingo, 21 de novembro de 2010

O Manuel da Fonseca que eu guardo...



Ontem, durante o evento «Semeando...», organizado pelo Centro de Documentação do Pão, a par de muitos outros momentos (também) importantes, um houve que nos merece um destaque especial pelo que de «novo» trouxe ao «Alentejo do Pão e da Razão».
Referimo-nos ao momento em que, no decurso da sua comunicação, Luís Filipe Rocha assinalou, com tanto de humildade como de frontalidade, «o Manuel da Fonseca que guarda na sua memória».
Aqui deixamos esse apontamento da História contemporânea do Alentejo saqueado por hordas de malfeitores, mas ainda bafejado, de tempos a tempos, pelo perfume de Homens dignos. Como o Luís!



http://www.youtube.com/watch?v=UpmK8KtwudY

E foi outro Homem digno, humano, fraterno e simples, como o Manel e o Luís, que «encerrou» esta sementeira de ideias; o Ti Limpas, Manuel Veladas de seu nome, Presidente da Assembleia Geral do Centro de Documentação do Pão. Fê-lo glosando o mote A POESIA É UMA ARMA/que defende a Liberdade/não há mentira que valha/a grandeza da verdade.



Quero acreditar que, perante o que se passou, Manuel da Fonseca «voltou ao Largo» para pedir à «sua Banda» que o acompanhasse com o Luís Filipe Rocha e o Ti Limpas num brinde, com tinto, ao Pão da Confraria.

E se os deuses lho não permitiram por censura, semelhante à que se abateu sobre a AEP quando «medalhou» Luandino, que saiba que, com Pão e Vinho por nós produzido, o Tonico Rações, o João Rodrigo, o Zé Det, o Godinho e mais um punhado de amigos, com muitos outros no coração, fizeram-no ao som do «Alentejo Terra Sagrada do Pão» cantado pelas mulheres do Grupo Coral Feminino de Viana do Alentejo, que, vá lá adivinhar-se porquê, tinham as vozes muito mais maviosas que de costume...

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Os Novos Condados

Decorreu no último sábado, dia 18 de Setembro, no Monte das Galegas, uma importante jornada de cultura com que o Centro de Documentação do Pão quis assinalar o seu compromisso de herdeiro do património cultural da Confraria do Pão.
Entre os presentes, alguns confrades de longe… Talvez por isso, sem conhecerem nos seus contornos mais nebulosos o quotidiano de resistência com que a acção cultural de raiz independente se vem debatendo nesta região, ora dominada pelo(s) interesse(s) económico(s) que se escondem por detrás da promessa de desenvolvimento através dos empreendimentos turísticos... largamente subsidiados pelo erário público.
Ou seja, na versão do terceiro milénio, os condados (de Monsaraz, de Juromenha, da Serra D’Ossa, etc.) só não fazem inveja aos «Braganças» porque são cara e coroa da mesma moeda.
De Juromenha a Moura, as galinhas dos euros de ouro vão cacarejando pela planície as mais infames injúrias contra os que levantam a sua voz crítica, duvidando das promessas que, ano após ano, vão defraudando a esperança dos incautos alentejanos na proporção directa dos milhões que distribuem aos empreendedores e amigalhaços.
Simultaneamente, as sereias do grande lago de Alqueva, a que, com Ribeiro Telles, nos habituámos a chamar de charca, donas das galinhas, aliciam para a sua nobre (de monárquica, já se vê) causa todos os disponíveis, sobretudo aqueles que tenham poder de decisão, mesmo que pouco…
Feita esta necessária divagação teórica, vamos então justificar a razão porque não foram formalmente convidados o Executivo da Câmara Municipal de Alandroal e o da Junta de Freguesia de Terena.
No que respeita ao Presidente daquele, desde Fevereiro que em relação à Confraria do Pão vem dando o dito por não dito, chegando ao cúmulo da hipocrisia ao recusar silenciosamente, desde há cinco meses, um convite para visitar a Confraria e se debruçar sobre os pontos de uma reunião que adiou sucessivamente. Por mera curiosidade, registe-se que a 26 de Fevereiro foi eleito vice-presidente da mesa da Assembleia Geral da Gestalqueva(1) , substituindo no cargo o antigo presidente da CM Reguengos de Monsaraz, Vítor Martelo, um dos políticos mais poderosos do Alentejo.
E no que concerne à senhora vice-presidente do mesmo, desde 10 de Janeiro último que, quiçá ocupada em reuniões de desenvolvimento no condado da serra d’ossa, opta por não agradecer dois livros que lhe remetemos electronicamente, nem ao menos dando conta da sua… eventual incomodidade em os ter recebido e «não poder» ignorar a acção científico-cultural que se desenvolve no concelho. É médica, a senhora…
Finalmente o Presidente da JF de Terena, Manel de seu nome e apoiante de todas as medidas de discriminação, exclusão e perseguição com que o anterior presidente do executivo camarário quis reinar em Alandroal e Juromenha ad eterno. É bom rapaz, só que ainda não rubricou um único acto de contrição em relação ao seu insolente comportamento para com a Confraria, associação que sempre o respeitou enquanto autarca.
Portanto, se vier a concretizar-se a vontade com que alguns dos sócios do Centro de Documentação do Pão estão animados em «pedir contas ao poder», já sabem com o que (não) contam. Localmente, porque a nível regional é pior, muito pior. E nacional… adivinha-se.
Com tudo isto já esquecia a justificação que se deduz: foi a Confraria do Pão, colaboradora na realização, que impôs um veto à presença desses e doutros fautores da nossa infelicidade presente; que por vontade deles seria … eterna. Pobres criaturas que não têm noção da força das ideias e da cultura. Que, aliás, desconhecem. Tragicamente! Pois é, quem não se sente não é filho de boa gente! A Confraria é.
Uma nota final de esperança; contida, mas esperança. Julgo exprimir o sentimento comum a todos quantos dão corpo ao projecto ao desejar que o futuro nos traga provas inequívocas de que os eleitos estão dispostos a respeitar a cultura e aqueles que voluntaria e responsavelmente a servem. Então, sim, não duvido que serão recebidos com alegria e com a dignidade que a sua condição merece. Como, aliás, sempre fizemos até 2002, na Confraria do Pão.

(1)
A Gestalqueva - Sociedade de Aproveitamento das Potencialidades das Albufeiras de Alqueva e de Pedrogão, S.A., tem como sócios a EDIA e os municípios da área de influência das albufeiras e tem como objectivos, entre outros, a concepção, promoção e execução de projectos de desenvolvimento das potencialidades destes dois empreendimentos, nomeadamente, nas áreas do ambiente, qualidade urbana, turismo e património.
Recordamos que o presidente do município de Alandroal tinha já sido eleito para a mesa da Assembleia Geral da Associação Transfronteiriça dos Municípios das Terras do Grande Lago de Alqueva (ATMTGLA) em 20 de Novembro de 2009.
O apoio técnico e logístico da Gestalqueva à ATMTGLA na gestão de candidaturas a fundos comunitários, como é o caso do PEGLA (Projecto Estruturante para o Desenvolvimento das Terras do Grande Lago Alqueva), projecto transfronteiriço orçado em 6 milhões de euros, é uma das faces mais visíveis do trabalho desta entidade.
(Fonte: Rádio Campanário / Câmara Municipal de Alandroal - 2 Março 2010)
Registe-se que o Presidente da Gestalqueva é Manuel Bento Rosado, o qual ocupava a Presidência da CCRA quando foi lançada a campanha de silenciamento e aniquilamento da Confraria do Pão.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

A Fome, a arrogância e a hipocrisia beata

(Mural de João Pedro e Augusto Casaca, do Centro Cultural Popular Bento de Jesus Caraça, Vila Viçosa, Primavera de 1977, foto de Francisco Lourinhã, à data Presidente da Câmara de V.V.)

A Casa de Bragança foi um constante pesadelo para o Alentejo. Poderosa, venal, usurpadora e por vezes cruel, impôs a sua presença, banqueteando-se em Vila Viçosa, cavalgando em Alter, imolando em Évora e caçando por toda a planície. Contribuiu, como calamidade histórica, para a miséria do Alentejo. Enquanto poderosa, não trouxe pão ao Alentejo, como podia e devia; enquanto venal, usurpadora e cruel, associou-se sempre ao poder (até o montar!) e prontificou-se a dar continuidade à repressão que ao longo dos séculos vitimizou estes povos. Foi pela sua importância, pela durabilidade da sua influência e pela proximidade histórica, uma das pragas do Alentejo e um incontornável suporte dos referenciados “CICLOS DE FOME” que fustigaram a planície
.

(João Duarte Freitas, Histórias da Fome e da Arrogância, Coimbra, Agosto de 2000)

As Festas dos Capuchos estão de volta e estão melhores
...
Por fim, é com entusiasmo que anuncio a vinda de «El rei D. Carlos às Festas dos Capuchos», uma iniciativa cultural única que nos levará de volta ao século XIX.
Nesta recriação histórica a comitiva real, liderada por D. Carlos, percorre o Largos dos Capuchos, dirigindo-se, depois da passagem pela Igreja, à praça de Touros onde se vão reviver momentos de trabalho agrícola e de lazer, com a encenação, por exemplo, de uma desfolhada e de uma caçada real.
Para este momento de rara beleza…
Francisco Chagas
Vice-Presidente da Câmara Municipal de Vila Viçosa


DIA 11, 22h
Num regresso ao século XIX vamos assistir à recriação histórica da chegada da comitiva real, liderada por El Rei D. Carlos, ao Largo dos Capuchos.
Senhores e servos vão assistir à passagem do cortejo real que, rumo à Praça de Touros, culmina com a encenação de uma desfolhada e de uma caçada real
.

(Francisco Chagas é também o Presidente do Secretariado do PS em Vila Viçosa)

Decorre este ano o centenário da implantação da República. Curiosamente, as duas Bandas Filarmónicas à data existentes em Vila Viçosa foram as primeiras a chegar a Lisboa, para desfilar na Avenida da Liberdade assinalando a queda da Monarquia.
Um século, primeiro de esperança, depois de obscurantismo salazarista que o 25 de Abril se propôs enterrar. Não o conseguindo, muito por culpa da arrogância que tem caracterizado o exercício do novo poder. Assim, neste tempo governado pelo «rei milhão», a corrupção era inevitável. Voltou a Fome, agora atingindo sobretudo os que se viram obrigados a migrar dos campos para junto das grandes cidades, como tantos e tantos alentejanos.
Arrogância bem patente na violenta marginalização do Buiça, arredado das comemorações pelos reis da moda. Não admira, pois, que não tenha ocorrido aos organizadores da «recriação histórica», leia-se branqueamento do passado naquilo que ele teve de arrogante, usurpador e cruel, convidar um grupo de figurantes para participar na simultânea arruaça com que se assinalaria a contestação que levou à queda da monarquia.
Se o Mariano Maurício não tivesse sido «empurrado» para o Canadá pelos «herdeiros dos braganças» ou se o pai Leote ainda por cá andasse, seguramente que, à passagem do cortejo que o Vereador Chagas aguarda com entusiasmo, se ouviriam as justas vozes da revolta. Assim, só os «irmãos» e «primos»…
Bem sabemos que os banquetes «dos Braganças» ficam caros ao erário público mas, pelo menos hipocritamente, se estes aceitassem participar, sempre poderiam ficar com … «os restos». Afinal, trata-se de gente que se reivindica de sóbria…
E seria forma de não parecer ofensa à res-pública.

Nota: interessante seria ver o cortejo real arruaçado pelos jovens «homens da luta», presos pela Guarda Nacional Republicana por protestarem contra o rei! Tudo com transmissão directa na... SIC!

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

PÃO SEM SAL


Entrou hoje em vigor a nova regulamentação que obriga os «pães» comercializados a terem um valor máximo de 14gr de sal por Kg.
Na Confraria do Pão, que desde há anos confecciona o seu Pão com um máximo de 10gr de sal por Kg, congratulamo-nos com a «atenção» dos governantes para a necessidade de alertar as pessoas contra os malefícios do abuso de sal na alimentação.
Mas regista que essa «preocupação governamental» parece repousar na política do faz de conta que caracteriza os «democracias» contemporâneas do espectáculo, ao não ter sido acompanhada de semelhante legislação que contemplasse o teor de sal em tantos outros alimentos que a indústria agro-alimentar despeja nos lares dos incautos cidadãos.
Com certeza que tal (democrático) comportamento assentará na necessidade de «desenvolvimento moderno» do tipo come, consulta o médico, medica-te e… cala.
Esclarecendo: num mundo subjugado aos interesses do rei milhão, é fácil imaginar a tramóia gananciosa. O poder (económico) produz os alimentos que provocam e/ou agudizam as doenças. Que os médicos e as políticas de saúde atestam como graves e tratam com… medicamentos (caríssimos), produzidos e comercializados pelo mesmo poder.
Ficam todos satisfeitos. Os mandantes com os lucros (fabulosos) dos alimentos e medicamentos. Os governantes, por implementarem as políticas que permitem estes lucros e, ao mesmo tempo, «cuidarem» da saúde dos governados. Estes, porque lá vão sobrevivendo com alimentos (baratos) e medicamentos (caríssimos mas pagos pelo erário público) com que julgam aliviar as doenças que «o que comem e como comem» lhes provocam. Os médicos e quejandos por terem cumprido a sua nobre missão de, à luz do conhecimento «científico», também controlado pelo mesmo poder económico, remediar.
Contudo, por este caminhar, é inevitável que este «negócio» tenha um fim trágico. Não serão, seguramente, os detentores do poder (económico) que aceitarão filantropicamente reduzir os seus lucros. Mas quando o(s) Estado(s) deixarem de poder suportar os custos com as doenças que a alimentação provoca e/ou agudiza, os governados irão impor aos governantes políticas assentes em saberes menos científicos mas também úteis do tipo «vale mais prevenir do que remediar». E custa menos, muito menos.
O curioso é que «estes saberes» são já muito antigos. Deve ser por isso que os «modernos governantes» deles fogem como o diabo da cruz.
Nesse tempo vindouro, quando se eleger, com ou sem fundamento, o sal como inimigo número um das doenças, nomeadamente cardiovasculares, as regulamentações governamentais sobre o teor de sal dos alimentos também contemplarão «os outros alimentos» que vão enriquecendo os mandantes e que ora foram «esquecidos».

domingo, 23 de maio de 2010

Os equívocos de Alegre, do BE e dos «seus» Autarcas


«Tentativa de HOMENAGEM a J.L. SALDANHA SANCHES»

Morreu há dias um dos mais dignos políticos que este pobre país teve.
Antes de Abril, pagou com a prisão a tenacidade com que combateu a ditadura.
Depois de Abril continuou a recusar o comodismo a que muitos se encostaram.
Mais tarde, quando «a jovem democracia» começou a enveredar pelos caminhos do oportunismo que escancarou as portas à corrupção, já doutor em Direito, continuou integro no seu combate pelos ideais de Liberdade, Fraternidade e Igualdade que sempre nortearam o seu viver.
Quando a «corrupção organizada» se abateu sobre a Confraria do Pão, não hesitámos em dele nos socorrermos. Nem ele hesitou em nos demonstrar solidariedade activa.
Recordá-lo é, pois, motivo de responsabilidade que nos apraz. Por Justiça, a mesma com que perfumou o seu e nosso viver.
Morreu com a mesma dignidade com que viveu. Pouco tempo antes, escrevia na Semanário Expresso:

«O PEC é a factura que vamos pagar por anos e anos de saque organizado e contínuo dos recursos públicos, por uma vasta quadrilha pluripartidária que vive de comissões, subornos e tráfico de influências.»


«Para o Bloco de Esquerda, estas questões são secundárias.»

E, centrando-se nas eleições presidenciais, afirmou:

«… nenhum candidato que queira assumir de forma séria os reais problemas do país e que não aceite facilmente os trinta dinheiros que compram tudo e todos não pode enfiar a cabeça na areia e fingir que a corrupção, ao nível que atingiu, é apenas mais um dos problemas do país. Um candidato sério tem que ter o saque da res publica no centro da sua agenda política. Tem que ter coragem para enfrentar aquela frente tão difusa como bem estruturada que consegue fazer da corrupção uma questão sobre a qual se desliza sem grande atrito e sem consequências pode eventualmente abordar-se o tema, mas rapidamente o discurso desliza dessa para outras questões.»

Alertando para a cada vez maior evidência de

«Corremos o risco trágico de ter candidatos a atirar impropérios à ganância dos especuladores internacionais, mantendo um silêncio cúmplice sobre os métodos de gestão da coisa pública que nos deixaram indefesos e impotentes nas suas mãos.»

Para rematar com este avisado prenúncio:

«Ficar calado, refugiar-se em minúcias técnicas, andar de braço dado com os fautores públicos e notórios da corrupção tem que ter um preço. E esse preço é a assunção pública e expressa de que se trata de um candidato de um regime apodrecido. Por isso, para Alegre a opção é clara: ou procura o apoio das quadrilhas que nos roubam impunemente, ou guarda um silêncio cúmplice e envergonhado a troco de meia dúzia de votos, ou toma sobre a corrupção uma posição digna e inequívoca.»

Estávamos no princípio de Abril do ano corrente. Daí para cá, antes e depois do mundo ter mudado para o primeiro ministro, assistimos a desenvolvimentos nacionais, regionais e locais, neste caso nas margens da «grande charca de Alqueva», em que cada vez ficou mais patente o apodrecimento do regime.
No alegre candidato presidencial (do regime) e seu silêncio cúmplice…
No partido que o apoia desde a primeira hora, ainda às portas do poder mas já esturricado. Pelo regime.
No exercício do poder autárquico, cada vez mais conluiado com «os fautores públicos e notórios da corrupção», mesmo (ou sobretudo?) quando «independente».
Ou seja, «os trinta dinheiros» funcionaram.
Resta-nos conjugar esforços para fazer com que «o regime vindouro» também seja uma justa Homenagem aos Homens que combateram coerentemente a bicharada que corroeu a democracia e saqueou a rés pública.
Como José Luís Saldanha Sanches, que guardaremos nos nossos corações para que a memória da sua vida nos anime nas lutas, tremendas lutas, que ainda teremos de travar para que a aurora redentora seja uma realidade.

domingo, 9 de maio de 2010

MEDITERRANEIDADES (2)



Termina hoje, em Évora, um evento inscrito na estratégia dos descendentes do Giraldo Sem Pavor, chefe de um bando de salteadores que aniquilou a harmonia reinante na urbe nos tempos da moçarabia, de que o Alentejo guarda religiosamente muitas e boas memórias, nomeadamente a frugalidade do comer e a sobriedade do viver.
Ontem foi disparado o tiro de partida para o esbanjamento dos recursos que já não temos na construção do troço de TVG, que vai passar por Évora. Daqui por semanas, será a vez do novo aeroporto, a menos de uma hora de Évora e do «Turismo do Alentejo».
Há dias foi a vez da prazenteira presença do poder e seus lacaios no beija-mão ao(s) banqueiro(s), em Alqueva.
Num e noutro caso o pretexto é conhecido, que não reconhecido. Trata-se do «desenvolvimento». O mesmo que está subordinado à engenharia económica, mãe dos
offshores que os mais descarados governantes, seus amigos e donos, transportam no ventre.
Chegados ao ventre, sai a ignomínia. Os organizadores do evento dito «das gastronomias mediterrânicas» (http://www.alentejodasgastronomiasmediterranicas.com/) convidaram a Confraria do Pão para participar. Como «panificadora», lado a lado com os produtores de vinho e de azeite, em pavilhão onde pretendiam que servíssemos aos visitantes provas de Pão.
Acontece que a Confraria foi a organizadora, em 2002, do Congresso de Cultura Mediterrânica. Por onde passaram académicos probos entre os quais Eduardo Lourenço, Pedrag Matvejevitc, Mostafa El-Abbadi e muitos outros.
Isto é, há oito anos. Tantos como o ignominioso poder que nos deixa saquear julgava suficientes para nos exterminar, tamanhas as traições que rubricou e as dificuldades que nos criou, rematando com a polícia e os tribunais.
Que nos redobraram o querer e nos esclareceram sobre a determinante importância da nossa acção sócio-cultural e científica.
Não conseguiram fazer-nos esmorecer. Mas continuam a tentar, agora com todo o tipo de aliados, por acção, muitos, outros por omissão; todos comprados pelo rei milhão.
Com certeza que recusámos a provocação. Premeditada. O nosso Pão é, agora, «o Pão dos Pobres» e, quando necessário, «o Pão da Fome». Para resistir às sofisticadas ofensas dos abastados, simultaneamente herdeiros do salteador giraldo-giraldo e do nuno-de-bragança que fizeram de santa maria. Nunca para fingir ignorar as suas origens e desígnios.
Prometemos que (ainda) cá estaremos quando Balboa for aprovada (no papel, porque não passará disso provavelmente) para servir de pretexto aos cortes nos pins. E ao corte na réstia de esperança da juventude alentejana, que nunca nos fundos perdidos dos amigalhaços da UE.
Os politiqueiros sempre foram exímios em pinos. Com e sem vara. Para trás, pró lado e às vezes até prá frente, para simular progresso. Veremos quem, na altura será contra Balboa e quantos dos politiquinhos que agora dizem ser contra se quedarão… mudos.
Pobre Alentejo que acredita na bondade das migalhas oferecidas pelos banqueiros, seus comparsas e servidores, que lhe saqueiam o PÃO! Um dia, ao romper da aurora, deparar-se-á com um vazio, com as aldeias e campos abandonados; a terra, a água e até as consciências poluídas; os empreendimentos turísticos às moscas, as fortalezas conspurcadas e saqueadas e os campos de golfe com dúzia e meia de ovelhas a pastar.
É que «o dia já não é uma criança». E não é preciso ser sábio para perceber que, nesse dia, depois da última ceia pós moderna, os senhores e seus fantoches e meninos do coro, terão fugido para paraísos fiscais onde a TMN tenha rede, a PT, o BPN, o BCP e a CGD tenham delegações, e os sucateiros e garageiros sejam donos dos empreendimentos turísticos.
Se for Cabo Verde, tanto melhor, ficam mais perto do Tarrafal. Vá lá adivinhar-se quanto tempo, então, demorará a mudarem-se para o motel onde deviam estar há já muito tempo. Sem a conhecida frigideira do Salazar. Mas com os óleos e outras mixordices que a fundação do coração patrocina como «saudáveis» a troco do vil metal e, quiçá, agora já como mediterrânicos. E, claro, com direito a assistência médica. Especializada no embuste e na hipocrisia, de preferência.
Com fundada esperança e renovado vigor, voltarão então a soprar os ventos do Mediterrâneo universal que varrerão da terra, do ar e do mar os verdadeiros responsáveis pelo(s) fundamentalismo(s) que arrasa(m) o mundo.

MEDITERRANEIDADES (1)


MUDANÇAS, FESTANÇAS E AS ANDANÇAS DOS NOVOS BRAGANÇAS
«E se todo o mundo é composto de mudança…», dizia o poeta. Nada a opor, pelo contrário, mesmo com o conservadorismo do poder temporal que condicionou o mundo ao longo dos últimos dois mil anos, tem sido a vontade de «mudança» que vem animando as transformações e conquistas da Humanidade.
Contudo, nem todas as alterações contribuíram para o edifício da felicidade humana. Nestas, sem favor, reconhecemos uma mistura explosiva, mãe da criação: a emoção e a razão, braço dado, sem preconceitos de hierarquia, antes seguras de que o contexto determina, em cada mudança, qual das duas assume maior protagonismo… no momento.
Em muitas outras, como as que atravessam hoje o Alentejo, reconhece-se a bestialidade e a estupidez com que os gananciosos querem, a todo o custo e velocidade, saquear… o que houver ainda disponível. A emoção cede lugar à frieza e a razão ao calculismo.
Também explosiva, não da criação mas da destruição, esta mistura é tipo Bomba de Neutrões … pós-moderna. Arrasa a pobreza, neutraliza a razão restante dos (ainda) não miseráveis, intoxica o pensamento dos menos desinformados e estende os fragmentos até aos cofres da poupança dos incautos. Que pulveriza com a magia só ao alcance dos despudorados para que, qual milagre sancionado pelo santo ofício, vá reaparecer, multiplicada, nos odres dos governantes e seus donos, mais nestes do que naqueles.
«Vem-nos à cabeça uma frase batida», dizia o Sérgio; vem-nos à memória uma mão cheia de factos recentes, em Portugal e por todo o mundo governado pelo «rei milhão», imagem doutro poeta que trazemos no coração. Enfim, percebe-se a agonia revoltosa do sistema, «há que aproveitar enquanto isto está a dar». E como para esta gentalha os fins justificam os meios, imagina-se as ignomínias que subscrevem sempre que se deparam com a crítica e a denúncia.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Mais «açordas», menos Pão!

O Presidente da Federação de Évora do Partido Socialista, ora na qualidade de Presidente da Câmara Municipal de Portel, Norberto Patinho de seu nome, continua apostado em caucionar politicamente o embuste com o Congresso das suas «açordas», que já foram gáudio para uma plateia de Técnicos de Saúde e ficaram celebrizadas na Grande Enciclopédia do Lixo Alimentar como «as açordas do patinho».
Ignorante, o que é compreensível tantas as tarefas politiqueiras em que se envolveu ainda imberbe, demorou três anos para compreender o papel determinante do Pão como progenitor das Açordas.País - Congresso das Açordas este fim-de-semana em Portel - RTP Noticias, Áudio
Três anos - três Congressos em que promoveu o «desenvolvimento» do Alentejo com inovadores pratos gastronómicos objectivamente selvagens, cientificamente promotores das graves doenças da moda, culturalmente ofensivos dos seus antepassados e activamente conspurcadores da identidade alentejana.
Tudo isto com dinheiros públicos que deveriam ser canalizados para o contrário, isto é, para a promoção da identidade cultural do Alentejo, claramente assente na frugalidade alimentar e na sobriedade do viver, e inequivocamente promotora da saúde física e psíquica.
Este ano, contudo, o seu Congresso começa com pão e, «para atingir maior profundidade» o título do painel é
«PÃO: ELEMENTO FUNDAMENTAL DA TRÍADE DA DIETA MEDITERRÂNICA»
A organização declarou «ao mundo» que nele participariam «prestigiados especialistas» (http://www.cm-portel.pt/pt/conteudos/eventos/ACORDAS+EM+CONGRESSO+EM+PORTEL.htm).Desconfiados, fomos comprovar.
Lá está, em primeiro lugar, o destacado especialista na aculturação do Pão Alentejano, introdutor dos fermentos ingleses (holandeses) para cuja fábrica trabalhou denodadamente nas décadas de 50, 60 e 70, promovendo «o segredo do enriquecimento fácil», sem qualquer respeito pela saúde das pessoas. Segue-se uma Nutricionista e dois empresários.

Da Net
1.
http://economico.sapo.pt/noticias/a-historia-do-homem-que-transformou-o-paposeco-em-carcaca_80809.html
A história do homem que transformou o papo-seco em carcaça
Mafalda de Avelar, 05/02/10 00:05
Vítor Moreira era engenheiro numa fábrica de fermentos. Inventou o pão sem ‘rebites’ para que se fizesse mais rápido. E para vender mais fermento. (...)
2.
http://familia.sapo.pt/articles/familia/saber_viver/890788.html
Os alimentos inteligentes
Se quer que o seu filho se alimente bem para ter boas notas, saiba o que não deve faltar no seu carrinho de compras.
De acordo com a nutricionista Maria Paes de Vasconcelos, existem cereais, leguminosas e outro tipo de alimentos bons para o cérebro.
A privilegiar
Leguminosas (feijão, grão, favas, ervilhas, lentilhas) (...)
A evitar
Batata. Arroz branco. Pão de forma, Carcaça (...)
Texto: Alexandra Pereira com Nelson Lima (neuropsicólogo), Mónica Pinto (pediatra) e Maria Paes Vasconcelos (nutricionista)
3.
José Júlio Mendes Vintém, o chefe de cozinha e proprietário do Tomba Lobos (...)
Duas refeições no Tomba Lobos - um jantar no dia 1 de Dezembro do ano passado (90, 20 euros, duas pessoas) e um almoço no passado dia 30 de Março (83,75 euros, duas pessoas) -, se não permitem conclusões definitivas, deram para perceber que, em geral, o toque pessoal de José Júlio Vintém em alguns pratos regionais não só os não descaracteriza, como os valoriza. (...)
David Lopes Ramos (PÚBLICO)

O outro empresário é Confrade da Confraria Gastronómica do Alentejo e, em 2005, foi galardoado na Ovibeja/Receitas de Borrego com o prémio Inovação num ... doce.

Ou seja, já desvirtuadas da sua principal riqueza, a simplicidade, entra-se agora na ofensa final às açordas e à cultura alentejana: é o pão do presunçoso, ignorante e ganancioso Moreira que vai encorpar o caldo aromático do principal património da gastronomia alentejana.
Quiçá esporadicamente substituído, se a tanto chegar o atrevimento dos outros «especialistas», por cereais, tostas e outros que tais ou, com um toque de ilusionismo, por batata (doce?)... alentejana! Para além das proteínas, às carradas para parecer mais alentejano.

Estamos conversados, já são com «pão» as açordas do patinho! Mas para que o «desenvolvimento» esteja garantido, o sobredito tem que ser fabricado com massas congeladas, aditivadas com carradas de fermento «inglês» e outros produtos (cancerígenos) que permitam que «esse pão» suporte uma espera de três ou quatro dias até ter a honra de chegar à «mesa dos ricos», isto é, dos governantes da moda, seus amigos e ... mandantes. Eventualmente produzido em casa, nas tão apreciadas máquinas de que o «especialista» Moreira também foi «introdutor»!
O interesse económico agradece, reconhecidamente.
Como vem acontecendo desde o tempo de Salazar e a sua «campanha do trigo», responsável número um pela «emigração» do porco alentejano para a extremadura e andalucia espanholas, onde ganhou cartas de alforria e, saudavelmente, se transformou em porco ibérico, uma vez mais o Alentejo, pelo mesmo motivo (a ganância aliada à ignorância), ficará mais pobre.

Mas, nada de pessimismo. «Este poder» está caucionado pelo voto, esmagador, popular. Mesmo que seja «mais que pimba», é democrático!
Com autorização do poeta, em nome do seu Alentejo, não resisto a «inovar», fazendo fé nas estatísticas sobre a galopante desigualdade entre ricos (cada vez mais ricos) e pobres (cada vez mais... dependentes da caridade distribuída pelas senhoras bem vestidas, pintadas e perfumadas, invariavelmente purificadas nos templos possíveis!):
(...) está a democracia virada
para aumentar o poder
daquele que tudo tem.

Venham de lá (novamente) os Braganças e as suas festanças. Mas nada de misturar o «Nuno de santa maria», seu patrono, mais a sua «padroeira», com o Zeca Afonso, como o edil de Vila Viçosa, quiçá inspirado na presença do Primeiro Ministro e suas conhecidas características oratórias, fez no mês passado.(http://radiocampanario.podomatic.com/entry/2010-02-09T06_30_23-08_00)
É que o Zeca, sobriamente como era seu timbre, numa memorável Jornada de Cultura Alentejana, antecipou-se aos oportunistas que se pudessem vir a servir das suas ideias e, em pleno Terreiro do Paço dos Braganças, cantou pela primeira vez este fado que dedicou «aos Alentejanos que se não envergonham de também serem irmãos de Catarina Eufémia»:


Quem diz que é pela Rainha (poder)
Não precisa de mais nada
Pode roubar à vontade
Ninguém lhe chama ladrão
É homem de suciedade (isso mesmo, com u, de súcia)
Todos lhe apertam a mão!

Acima da pobre gente
Subiu quem tem bons padrinhos
De colarinhos gomados
Perfumando os Ministérios
São donos dos homens sérios
Ninguém lhes vai aos costados!

Isso foi (era) em 1980. Hoje, cada vez mais, paira a ameaça de «os homens sérios» terem de proceder a uma «inovação» na última estrofe...
Perdida a esperança, restará a dignidade de não vir a deixar «morrer à fome» os seus bisnetos já vivos e os que ainda estão para nascer.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

As dez traições ao Pão!


Estamos a ultimar umas notas, sob a forma de livro, para sair brevemente. Fica o prefácio para «abrir o apetite», nestes tempos que já são de fome!

Sobejam-nos motivos para escrever estas notas.
Dez anos depois de termos começado a dar forma ao sonho, regressámos ao cais de partida.

E se então nos fazíamos ao mar numa jangada, crentes de que conseguiríamos nela ultrapassar as previsíveis vagas, hoje resta-nos uma casca de noz, é certo que bem ancorada e tratada com tanto de carinho como de cuidado.

É com ela que vamos partir, despojados de muitos dos que, na jangada e fora dela, tudo fizeram para a ver afundar, ingénuamente crentes de que «a ideia» e «a História» com ela seriam sepultadas nas profundezas do mar da sua indignidade.
A qual, medindo meças em tamanho ao Adamastor, seria, no seu entender, mais que suficiente para nos amedrontar ad eterno.

Não foi, resistimos, estamos vivos, e «a ideia», afinal, está cada vez mais arreigada no coração dos que, com o seu trabalho, com o(s) seu(s) saber(es), sempre com Amor, vão construindo o futuro.

Para todos, isto é, também para os que se governam chorudamente prometendo aos outros «um futuro de abundância» certos de assim melhor conseguirem preservar a sua aptidão para a ganância que aperfeiçoam no presente. Com que vão delapidando os cofres públicos; com que vão torturando os mais humildes; com que vão, numa palavra, enxovalhando «O PÃO».

O que o leitor paciente vai ficar a conhecer não é nada que se possa comparar com o sofrimento de milhões e milhões de nossos irmãos que todos os dias lutam, com todos os meios, para matar a fome com … uma migalha de Pão. Que muitas vezes, milhões de vezes, dia após dia, mês após mês, ano atrás de ano, não conseguem. E partem, tantas e tantas vezes ainda crianças…
Mas é o grito de revolta de quem se não deixa silenciar pelos que «não querem que se saibam as verdades», ou seja, os que enchem a boca de «conhecimento». Dócil e servido em embalagens modernas que assegurem a… ignorância!

Para que melhor se perpetue a exploração do Homem, pelo outro homem. Para que melhor se cumpra o fado na sua dimensão obscurantista – somos todos Homens, mas uns são mais homens que os outros!

E, portanto, é «justo» que sejam os mais «importantes» a decidir… o destino de todos! Como lhes aprouver, se necessário «sem ouvir os seus irmãos de caminhada»; tolhendo-lhes e moldando-lhes o «pensamento»; silenciando-os com balas, bombas ou de forma mais sofisticada, quando, com essas práticas, não conseguem evitar que discordem e se atrevam a emitir opinião, mesmo que documentada.

Assim está o mundo «democrático» em que (sobre)vivemos. E que, «enquanto há força», queremos ajudar a transformar. Também com estas notas.


Elegemos a CCRA, que ora se designa por Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo (CCDRA), um bom exemplo de como são desbaratados os milhões que os nossos netos, bisnetos e tetranetos, continuarão a pagar à União Europeia com «juros» bem mais altos do que os nossos filhos já suportam na carne: o desemprego galopante e a esperança sempre adiada, anestesiada em ocupações menores gratificadas «à rico».


Fevereiro de 2010

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Senhora Dona Morte...



O Leote Ramos Pereira nasceu em Borba há 83 anos. Como quase todos os da sua condição humilde, em vez da Escola onde o Salazar mandava ensinar a ler, a contar e a rezar, foi trabalhar. Descalço.

Ainda jovem que nunca foi, para sobreviver, roubou. A Justiça dos ricos (Senhor Juiz eu roubei para comer!), para que muitos deles não vissem perigar os seus privilégios de terem as terras ao abandono enquanto se entretinham no Estoril, condenou-o e prendeu-o. No Redondo.

Mas não o vergou na sua (imensa) alegria de viver. Marcado, escolheu para companheira a Ermelinda, irmã do Ti Juan, na altura também preso. Por roubar. Para comer, como o Leote.

E escolheu bem; a Ermelinda Maurício, para além de um nobre carácter, nunca lhe condicionou a sua força de viver, mesmo quando, embriagado, gastava em vinho e no jogo o pão da família.

O Mariano, filho de ambos, bem podia ter deixado registado a letras de ouro, como o trigo que seu tio ia buscar aos celeiros dos lavradores, a gloriosa luta do Povo Alentejano, tantas as qualidades que, ainda criança, já demonstrava possuir.

Os (novos) Senhores desviaram-no, primeiro com aquários e peixinhos; vermelhos, para se aproveitar a cor do sangue que jorrou das entranhas de seu pai e de seu tio quando os guardas, acreditando na justeza do seu comportamento pela lei e pela grei, os espancaram. Depois com o El Dourado do Canadá, para onde emigrou para alívio dos que se perfilavam para representar o Povo e dos que, em nome deles, lhe amoleceram o pensamento.

No véspera de Natal, bem cedo, à pressa e sem direito a velório, o corpo do Leote descia à terra. Dos imensos amigos poucos, muito poucos, tiveram conhecimento. Com o veemente protesto de quantos perceberam que, mesmo morto, um Homem para quem «a vida é uma História» mete medo aos que preferem que a vida seja um negócio.

E mesmo esses, desconhecerão que há um médico que lida diariamente com doentes com vontade de morrer - alguns até de se matar - para resolver os seus problemas, que consegue chegar ao coração dos seus irmãos pacientes graças ao que aprendeu com o Leote, «analfabeto, bêbado, ladrão». E «meio doido», como convinha acusar aos que não queriam que se conhecesse tudo o que o Leote sabia do viver. E do morrer…

A vida é uma história, insistia, enquanto partilhava com todos a sua e de seus irmãos de caminhada, na glória e no infortúnio, como que a apelar que se não recusassem a VIVER. Como ele!

«Sabes qual é a única coisa que trazemos connosco quando nascemos?»,

perguntou-me, no Café do Amiguinho, com o Julião a comentar já não bebes mais.

Com a família de minha mãe aprendi, a tempo, que «todos os Homens são meus irmãos» e com o meu camarada-pai a tentar avaliar com atenção, ou seja, a respeitar, os «marginais». Terá sido por isso que, em vez de desdenhar o convite que me fazia, já meio ébrio, o fixei com toda a atenção.

O olhar dele era profundo, falava com alma. Respondi que não, não sabia!

«É a certeza de que um dia havemos de morrer!»,

rematou doutoralmente, convicto do seu saber e… convincente!

Obrigado Leote, meu Irmão, por também teres sido meu Mestre! Quem dera que soubesse escrever «a História da tua vida», como merecias!