Morreu na madrugada de ontem o Senhor Leonel Trindade, o primeiro socialista desta terra que já foi de duques e duquesas, a qual, com a mãozinha do PS, que não do defunto, parece querer voltar a reencontrar-se com as más memórias dos Braganças nos seus privilégios e festanças.
Tive a honra de me dispensar, desde criança, um afecto e uma amizade a que nem sempre terei correspondido como se impunha. Guardo algumas recordações que, nesta hora de partida, acho meu dever aqui partilhar como (a possível) homenagem a 103 anos de um viver prenhe em alegria, com lucidez e sempre com cada vez maior sabedoria.
Foi dele, nos meados do século passado, o projecto que deu corpo à sede da Cooperativa Agrícola de Vila Viçosa (CAVV), vulgo Lagar, hoje em transformação em Hotel. A Cooperativa dos Olivicultores acabaria por falir no início da década de 90, isto é, menos de vinte anos depois de Abril e menos de dez anos depois do país, pela mão do doutor Soares, ingressar na União Europeia. Ou seja, as políticas de apoio à Agricultura, em geral, e à Olivicultura, em particular, dos partidos «do poder» encabeçados por Mário Soares e Cavaco Silva, conjugadas com a intervenção dos seus agentes locais, foram incapazes de evitar o fim da produção de azeite na CAVV, por sinal de excelente qualidade nas décadas de 60 e 70 do anterior século. Curiosamente, sobreviveu a traça original do edifício, ainda preservada no essencial e de sua autoria.
Também foi dele, logo a seguir ao 25 de Abril de 74, a primeira tentativa de instalar a sede local do PS, para o que nos pediu colaboração. A que, como democrata de verdade que era, tinha direito e, incondicionalmente, recebeu. Foi, pois, com ele que se reuniram os primeiros funcionários do PS (Armando Castro e António Bento) que, em trabalho militante, visitaram Vila Viçosa depois de Abril. E inaugurada a Sede, com (o seu) convite a dúzia e meia de pessoas reconhecidas como «com ideias progressistas e moderadas», lá o deixámos «sozinho», como houvéramos combinado, a tentar levar por diante o seu projecto de intervenção política que nos «não preenchia os nossos sonhos». Que não vingou, sendo substituído por outro que culminaria anos mais tarde, já depois do nosso querido Zé Bilro e da saída do Josué Bacalhau (para o PSD!), na afronta de ser «presidido» pela única pessoa a residir em Vila Viçosa que tinha concorrido à Escola Superior da Pide depois de um percurso de vários anos como Informador da mesma.
Curiosamente, também era dele, Leonel, a carrinha com que um punhado de jovens da terra se lançou, na noite de 11 de Março de 1975, à «caça dos Pides e Reacionários». Com tanto de generosidade como de ingenuidade. Mas sem os meios que, décadas antes, a Legião disponibilizava aos que, em plena Guerra Civil de Espanha, se ocupavam a caçar, prender e – ao menos em dois casos – assassinar os refugiados que conseguiam fugir das povoações espanholas raianas em que a bestialidade da guerra se impunha. Em Monte-Juntos, no cruzamento para a Herdade da Defesa onde o Almirante Tomás se entretera a espantar perdizes nas batidas do «Martins da Cerveja», tão fascista quanto ele, barrados por uma «brigada comunista», acabámos por gripar a carrinha. Que lhe entregámos na manhã seguinte, sem ouvir uma única recriminação.
Como, a par de muitas e diferenciadas obras a que emprestou a sua imensa capacidade artística, foram dele duas das propostas mais bem concebidas para promoção do Alentejo, sua Cultura e efectivo Desenvolvimento, muito para além dos olhares vesgos e horizontes mais que limitados dos «agentes profissionais, pagos a peso de ouro» que têm pululado pelas Comissões ditas de Desenvolvimento Regional do Alentejo.
Ambas anteriores a Abril de 74. Ambas centradas na produção, promoção, comercialização e exportação de dois alimentos de excelência do Alentejo, um deles o Pão. Em ambos os casos, associando as Artes e Tradições da região. Quase quarenta anos e quarenta mil milhões de euros depois, nenhum dos malfeitores que vêm usurpando o Alentejo, promovidos ou não a Comendadores pelo poder político, com os rebanhos de tecnocratas ao seu serviço, foi capaz de vislumbrar «as ideias do Senhor Leonel» para, deturpando-as como é seu hábito, enriquecer (ainda mais) os seus offshores a troco das migalhas que espalham pelos desempregados (alguns já famintos) alentejanos e seus «adormecidos» filhos.
Também foi com ele que aprendemos, para partilhar com nossos doentes, a importância da regular actividade sexual como garante da saúde física e mental. Já com mais de oitenta anos, à dúvida sobre as suas capacidades nessa área, respondeu-nos com o sorriso mariola que sempre ostentou: claro que sim, conservo-as bem razoáveis… porque nunca deixei de considerar a sua importância para a minha saúde!
O viver reserva-nos (des)agradáveis surpresas. Quanto maior é o Homem, mais são os que dele – e das suas memórias – se querem servir para fins… obscuros. Daí a necessidade de procurarmos deixar registado este contributo para dificultar a vida aos «oportunistas do costume».
Agora que «já não há dinheiro», se o actual e próximo Primeiro Ministro conhecesse as suas ideias, talvez chegasse a hora de ser ouvido, «respeitado. E espoliado, inevitavelmente. Para tragédia do nosso Portugal, tarde demais!
Até sempre, camarada Leonel Trindade!
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