domingo, 1 de maio de 2011

A FRATERNIDADE



Trinta e sete anos depois do Abril do «Povo é quem mais ordena», é tempo de partilhar algumas recordações com os que não tiveram a oportunidade, sublime, de conviver de perto com o Zeca Afonso, como nós.

Com ele tentámos aprender não só os caminhos da Liberdade como, sobretudo, que esses caminhos têm um maior encanto quando atravessam os campos da Fraternidade e se deixam inundar pela grandeza da Simplicidade.

Já lhe estávamos gratos pelo que, com os Vampiros, nos tinha ajudado, ainda criança, a compreender o mundo. Acrescentámos a dívida, depois, com tantos e tantos gritos de revolta, de uma profundidade grandiosa que nos ajudou a moldar o ser e o querer.

Faço este testemunho em nome do Jerónimo Lagartixo, do Jónatas Borrego e do Manel do Asilo, do Redondo, seus irmãos maiores no respeito pela Fraternidade, e de outros companheiros que no Centro Cultural Popular Bento de Jesus Caraça tiveram comigo o privilégio de com ele aprofundar a Solidariedade, entre os quais é justo distinguir o Mestre Alexandre Nogueira e o João Godinho.

Ainda em nome da Mestra Filipa, de Viana do Alentejo, e do Mestre Álvaro, do Redondo, ambos Oleiros, que nessa qualidade homenagearam o Zeca; a primeira, em representação de todos os Oleiros alentejanos – à data (1980) cento e vinte e três -, ao receber das suas mãos, do Zeca, uma Cantarinha de Nisa com que as Associações Culturais que organizaram o 1º Encontro Regional de Olaria do Alto Alentejo quiseram assinalar a gratidão que os mesmos lhes mereciam; o segundo, em Portimão, numa Mostra de Cultura Alentejana, ao entregar-lhe, em nome dos Oleiros Alentejanos, um prato de sua autoria com uma dedicatória em que o comparava a Luís de Camões.

Também em nome dos Poetas Populares que nele se inspiraram, entre os quais o Ti Samuel Pavia Micaelo, do Povo de São Vicente, que já em 1982, no «Há Tanta Ideia Perdida…», pugnava por «um 25 de Abril novo… para o Povo», numa décima só alcance de um sábio.

E de tantos e tantos outros que aqui recordo nas pessoas do Adriano Correia de Oliveira, do Hermínio da Palma Inácio, do Soveral Martins, de meu camarada-pai e sua mulher minha mãe, e do Francisco e da Lisete Pinto de Sá, seus amigos, do Zeca, de sempre e para sempre.

E de meu camarada-filho; e de minha filha e minhas netas que, estou certo, o irão conhecer e reconhecer como um Mestre do Viver, um ser de excepção e um revolucionário de eleição, tal a dimensão universalista e intemporal da sua mensagem.

Nenhum deles, incluindo os vivos que continuam a lutar pelos ideais que nos irmanaram, me mandatou para o efeito. Mas não me seria possível atrever-me a «homenagear o Zeca que trago no coração» sem neles me inspirar para que a emoção me não domine a lucidez com que pretendo assinalar a nobreza do seu carácter e a grandeza do seu viver.

1.

Por diversas vezes Zeca Afonso esteve em Vila Viçosa para ajudar o Centro Cultural Popular Bento de Jesus Caraça na sua acção político-cultural, em duas delas cantando a plenos pulmões «o Povo é quem mais ordena».

Na primeira, em Abril de 1975, no fim da sessão que decorreu «no Ciclo», já bem depois da meia noite, nem sequer tínhamos jantar para ele, sua mulher e restantes companheiros entre os quais seu filho, ainda criança. Foram dormir – e comer – a expensas próprias a Estremoz!

Na outra, em Junho de 1980, no encerramento do 1º Encontro de Olaria, mais organizados, servimos-lhe – e aos músicos que o acompanhavam – um lanche.

Em ambas as situações não houve lugar ao pagamento de qualquer verba (cachet), excepto aos músicos (Júlio Pereira e Janita Salomé), em 1980.

2.

Outro significativo momento vivido com ele aconteceu em Coimbra, na Primavera de 1978 (ou 79?), no Teatro Gil Vicente. Acabáramos de chegar do Alentejo e, sem bilhete (esgotados), para entrar no «Gil Vicente» invocámos junto do porteiro a necessidade de lhe irmos (ao Zeca) transmitir um recado urgente.

Portas franqueadas, acompanhados pelo dito porteiro, dirigimo-nos aos camarins recordando a última vez em que nos encontráramos na Era Nova e a «desavença» em que nos envolvêramos por força da sua (não esperada) recusa em ir participar no Aniversário do Centro Cultural. Ainda tememos o pior mas não hesitámos. Afinal, o Zeca que queríamos abraçar era fraterno e solidário e teria sabido «perdoar» a nossa indignação face à sua recusa, pensávamos, enquanto chegávamos ao corredor de acesso aos camarins.

O porteiro nem teve tempo de chamar por ele, vislumbrando-me ao longe, abriu os braços, «gritou-me» e avançou ao nosso encontro desculpando-se repetidamente na presença de quantos estavam (entre eles o Soveral Martins) do comportamento que houvera tido para connosco, Centro Cultural, perante o meu assombro inicial que rapidamente deu lugar à comoção. Curiosamente, a frio, no regresso de Lisboa ao Alentejo, entendêramos como razoável e compreensível a sua recusa.

3.

Outra das recordações que aqui vou registar ocorreu na Costa Alentejana, junto a «sua casa», estou em crer que na Primavera de 1981.

Terminado o «Almoço de Trabalho» em que participaram dúzia e meia de militantes político-culturais, antes da despedida, agarrou-me pelo braço, pediu-me opinião em relação ao duvidoso mérito de um artista que lhe havia pedido a letra (e música) de uma canção (nova) para o seu próximo álbum, relatando-me a razão de ser da suspeita. Assim,

Na sequência do vergonhoso comportamento da Lurdes Féria no encerramento do Encontro de Olaria e da nota que publicara no Diário de Lisboa, ao encontrá-la, no Chiado, na presença do outro artista, o Zeca, tão solidário quanto generoso, envolveu-se numa acirrada discussão com a Jornalista, descompondo-a e criticando-a pela ignomínia com que, em seu entender, nos houvera cobarde e premeditadamente atingido. Perante a sua surpresa, em vez do esperado apoio do nosso camarada, recebera uma frieza e distanciamento que o Zeca nos adjectivou como «traição para connosco».

Mais, fez questão de me entregar um caderno de capa preta onde, a par do poema, com dedicatória, «À Lurdes Féria» e de novos poemas, assinalou o que houvera feito para o nosso «camarada», para minha análise e «decisão». Trouxe comigo o caderno e fotocopiei-o; o encargo, esse contornei-o: quando lho devolvi fiz questão de juntar, com um abraço de profunda gratidão pelo poema e a dedicatória, umas palavras que aprendera com um homem simples como nós, que reproduzo hoje como homenagem ao Zeca e aos Homens Grandes como ele, «maior que o pensamento»:

«a seguir às enxurradas é preciso tempo para as águas limparem e deixarem ver o fundo… só então podemos tirar conclusões.»

4.

Um último testemunho que julgo significativo para melhor compreender os limites da vida do Zeca, vivi-o no seu Funeral em Setúbal.

O cortejo fúnebre avançava para o Cemitério quando chegava, do «almoço» tardio, o Zé Mário Branco. Por decisão da viúva, só alguns tinham acesso às imediações do caixão, então já umas boas dezenas de metros e muitas centenas de pessoas à frente. Com o Jónatas e o Godinho, agarrei-o pela mão vencendo a sua «timidez» e arrastámo-lo por entre a multidão até ao lugar de justiça, junto aos restos mortais de nosso camarada, que, pressinto, então se revolvia com a sua (e outras!) ausências e com algumas presenças…

As águas já acalmaram e limparam. Está à vista de quem quiser … o «fundo». No caso do Zeca Afonso, com orgulho e emoção, cada vez mais nítido, percebemos o nobre carácter que lhe permitiu, com a genialidade, a simplicidade e a fraternidade exclusiva dos eleitos, «abrir janelas onde nem sequer havia paredes», como muito bem assinalou o Sérgio Godinho.

Daí que, acreditamos, um dia destes todas as vilas serão Grândolas no querer e fazer da nova aurora.

Com a ajuda do Zé Mário Branco, do Chico Fanhais, do Sérgio Godinho, do Fausto e de tantos outros.

E com o Zeca no coração. Sempre!

http://www.youtube.com/watch?v=gbcQt_f1DK0&playnext=1&list=PLEE709A9C8ABDA039

http://www.youtube.com/watch?v=DrU-3FCB5Sk

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Carta aberta ao Partido Socialista que não quis o P… d’aço!


Morreu na madrugada de ontem o Senhor Leonel Trindade, o primeiro socialista desta terra que já foi de duques e duquesas, a qual, com a mãozinha do PS, que não do defunto, parece querer voltar a reencontrar-se com as más memórias dos Braganças nos seus privilégios e festanças.

Tive a honra de me dispensar, desde criança, um afecto e uma amizade a que nem sempre terei correspondido como se impunha. Guardo algumas recordações que, nesta hora de partida, acho meu dever aqui partilhar como (a possível) homenagem a 103 anos de um viver prenhe em alegria, com lucidez e sempre com cada vez maior sabedoria.

Foi dele, nos meados do século passado, o projecto que deu corpo à sede da Cooperativa Agrícola de Vila Viçosa (CAVV), vulgo Lagar, hoje em transformação em Hotel. A Cooperativa dos Olivicultores acabaria por falir no início da década de 90, isto é, menos de vinte anos depois de Abril e menos de dez anos depois do país, pela mão do doutor Soares, ingressar na União Europeia. Ou seja, as políticas de apoio à Agricultura, em geral, e à Olivicultura, em particular, dos partidos «do poder» encabeçados por Mário Soares e Cavaco Silva, conjugadas com a intervenção dos seus agentes locais, foram incapazes de evitar o fim da produção de azeite na CAVV, por sinal de excelente qualidade nas décadas de 60 e 70 do anterior século. Curiosamente, sobreviveu a traça original do edifício, ainda preservada no essencial e de sua autoria.

Também foi dele, logo a seguir ao 25 de Abril de 74, a primeira tentativa de instalar a sede local do PS, para o que nos pediu colaboração. A que, como democrata de verdade que era, tinha direito e, incondicionalmente, recebeu. Foi, pois, com ele que se reuniram os primeiros funcionários do PS (Armando Castro e António Bento) que, em trabalho militante, visitaram Vila Viçosa depois de Abril. E inaugurada a Sede, com (o seu) convite a dúzia e meia de pessoas reconhecidas como «com ideias progressistas e moderadas», lá o deixámos «sozinho», como houvéramos combinado, a tentar levar por diante o seu projecto de intervenção política que nos «não preenchia os nossos sonhos». Que não vingou, sendo substituído por outro que culminaria anos mais tarde, já depois do nosso querido Zé Bilro e da saída do Josué Bacalhau (para o PSD!), na afronta de ser «presidido» pela única pessoa a residir em Vila Viçosa que tinha concorrido à Escola Superior da Pide depois de um percurso de vários anos como Informador da mesma.

Curiosamente, também era dele, Leonel, a carrinha com que um punhado de jovens da terra se lançou, na noite de 11 de Março de 1975, à «caça dos Pides e Reacionários». Com tanto de generosidade como de ingenuidade. Mas sem os meios que, décadas antes, a Legião disponibilizava aos que, em plena Guerra Civil de Espanha, se ocupavam a caçar, prender e – ao menos em dois casos – assassinar os refugiados que conseguiam fugir das povoações espanholas raianas em que a bestialidade da guerra se impunha. Em Monte-Juntos, no cruzamento para a Herdade da Defesa onde o Almirante Tomás se entretera a espantar perdizes nas batidas do «Martins da Cerveja», tão fascista quanto ele, barrados por uma «brigada comunista», acabámos por gripar a carrinha. Que lhe entregámos na manhã seguinte, sem ouvir uma única recriminação.

Como, a par de muitas e diferenciadas obras a que emprestou a sua imensa capacidade artística, foram dele duas das propostas mais bem concebidas para promoção do Alentejo, sua Cultura e efectivo Desenvolvimento, muito para além dos olhares vesgos e horizontes mais que limitados dos «agentes profissionais, pagos a peso de ouro» que têm pululado pelas Comissões ditas de Desenvolvimento Regional do Alentejo.

Ambas anteriores a Abril de 74. Ambas centradas na produção, promoção, comercialização e exportação de dois alimentos de excelência do Alentejo, um deles o Pão. Em ambos os casos, associando as Artes e Tradições da região. Quase quarenta anos e quarenta mil milhões de euros depois, nenhum dos malfeitores que vêm usurpando o Alentejo, promovidos ou não a Comendadores pelo poder político, com os rebanhos de tecnocratas ao seu serviço, foi capaz de vislumbrar «as ideias do Senhor Leonel» para, deturpando-as como é seu hábito, enriquecer (ainda mais) os seus offshores a troco das migalhas que espalham pelos desempregados (alguns já famintos) alentejanos e seus «adormecidos» filhos.

Também foi com ele que aprendemos, para partilhar com nossos doentes, a importância da regular actividade sexual como garante da saúde física e mental. Já com mais de oitenta anos, à dúvida sobre as suas capacidades nessa área, respondeu-nos com o sorriso mariola que sempre ostentou: claro que sim, conservo-as bem razoáveis… porque nunca deixei de considerar a sua importância para a minha saúde!

O viver reserva-nos (des)agradáveis surpresas. Quanto maior é o Homem, mais são os que dele – e das suas memórias – se querem servir para fins… obscuros. Daí a necessidade de procurarmos deixar registado este contributo para dificultar a vida aos «oportunistas do costume».

Agora que «já não há dinheiro», se o actual e próximo Primeiro Ministro conhecesse as suas ideias, talvez chegasse a hora de ser ouvido, «respeitado. E espoliado, inevitavelmente. Para tragédia do nosso Portugal, tarde demais!

Até sempre, camarada Leonel Trindade!

sexta-feira, 11 de março de 2011

A Mulher do Futuro

«em memória da João Cordeiro»

Precisamente ontem, «Dia Mundial da Mulher», enquanto líamos uma entrevista da Nawal El Saadawi, Feminista, Psiquiatra e Escritora egípcia, recebíamos a notícia da morte, aos 44 anos, da Maria João, cujo corpo viajou de Coimbra para Vila Viçosa, onde acompanhámos o nosso João Cordeiro, seu Pai, e restante família, na dolorosa despedida.

Ainda reflectindo nalgumas das palavras de Nawal - A mulher não pode libertar-se sob nenhuma religião, nem cristianismo, nem judaísmo, nem islamismo, porque as mulheres são tratadas como inferiores em todas as religiões – rumámos para junto «da João», de seus Pais e de seu marido, com as filhas Maria (13 anos) e Luísa (10 anos) nos nossos corações.

E foi então que construímos as palavras com que dela nos queremos despedir:

  • Pela sua rebeldia, inteligência, espírito de lutadora e enorme vontade de viver, homenagear a sua memória é, antes do mais, compreender quanto o seu exemplo de vida é, também, o da Mulher do Futuro que o mundo carece para que possa finalmente viver em harmonia.

E deixámos uma orquídea que trouxéramos de Lisboa, do Cemitério de Benfica, já a pensar na João, na sua «irmã» de que nos fôramos despedir, nos filhos de ambas e de quanto essas crianças esperam de seus pais António e José, e de todos nós, para que o exemplo de suas Mães, enquanto construtoras do futuro a que, como todas as demais crianças, têm direito, não seja esquecido.

Uma nota final, de justiça. Compreendendo as palavras atrás citadas de Nawal inseridas no contexto de transformação e mudança que atravessa o mundo árabe, registamos que foram lindas, humanamente lindas e dignas, as despedidas religiosas que presenciámos na Igreja da Luz (irmão franciscano italiano) e no Cemitério de Benfica (sacerdotes e coro feminino cristãos ortodoxos). E de modo nenhum redutoras da condição humana, também feminina, das falecidas. Por se tratar da morte? Quiçá, mas fica o benefício da dúvida…

Hoje, como amanhã, o sol voltou a inundar de esperança as nossas almas. E a esperança, como também (muito) bem diz Nawal, é (já) poder.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

A Cultura do Pão


(Sociólogos como Ami Fahmi falam da

cultura egípcia como a “cultura do pão”)

Os Egípcios foram, há uns milénios, um Povo que contribuiu de forma importante para moldar a «Cultura do Pão», pautada pela sobriedade e pela paciência.

O Mediterrâneo, berço da Civilização que trouxe a Humanidade até aos alvores do modernismo, foi culturalmente construído com a participação da civilização egípcia. Cleópatra não deu – e colheu – só amor (e prazer) com o Imperador Romano; marcou-o de modo tão profundo que a profissão de Padeiro veio a assumir em Roma o grau equivalente ao de Funcionário Público (médio-superior, não sujeito a despedimento) da actual Europa liberal.

Nos alicerces das Pirâmides faraónicas que impressionam os turistas modernos, está uma cultura que sobrevivia graças à sua essência pautada pelo Pão (cada escravo que nelas trabalhava recebia três quilos de pão por dia) e pela paciência com que, pedra a pedra, se chega à… eternidade.

Aliás, o Pão no Egipto é um objecto sagrado. Ainda hoje, entre as populações campestres e dos bairros populares, é um hábito corrente colocar-se a mão sobre um naco de pão, para juramentar atitudes e situações. E o pão continua a ser um dos poucos objectos que, encontrado caído no chão, não se pode pisar. Apanha-se carinhosamente e de seguida, beija-se.

Estes últimos dias voltaram a trazer-nos o aroma do que de melhor teve – e, felizmente, continua a ter – esse Povo irmão. Povo que a VI esquadra americana que domina o mediterrâneo há décadas, e a estratégia imperialista que lhe tem estado subjacente – cruamente condenada pelos tempos recentes - nos fizeram relegar para figura menor do viver contemporâneo, tal a passividade com que aceitava ser governado por um conjunto de títeres – com o faraó possível em comandante-chefe! Já sabíamos que estes governantes estavam exclusivamente apostados em enriquecer na razão directa do quanto se ajoelhavam aos mais obscuros desígnios do terror americano-sionista, mesmo que para tal fosse necessário – e foi! – «deixar sem pão» os seus irmãos palestinianos.

Até que os ventos mudaram…

Primeiro, no evidente confronto que atravessa a sociedade americana e europeia, dividida entre os que promovem a guerra como remédio para todos os males – nos quais se incluem os clintons, vergados à estratégia sionista – e os que já entenderam que o caminho só poderá ser o do diálogo e respeito cultural, como eficaz antídoto para a disseminação e aprofundamento do(s) fundamentalismo(s) – islâmico, sionista, neo-liberal e outros – que a estratégia do terror fez medrar por todo o mundo, sobretudo naquele em que, significativamente, as religiões e culturas se haviam habituado a, tolerantemente, viver e conviver, o dito Próximo Oriente, onde das entranhas da terra jorra o ouro negro de que o viver opulento das sociedades ocidentais tanto depende.

Que mais não fosse pelo seu discurso, o qual se inscreve claramente neste último grupo, Obama, transportando apaziguadamente nos genes o multiculturalismo tão do desagrado do Blair da moda, Cameron de seu nome, bem merece a bênção de ser o Presidente americano neste tempo em que, como reconhece e diz, se está a fazer a História.

Depois, no mundo árabe, condicionado pelas elites governantes corruptas e promotoras do terror e sufoco dos mais elementares direitos e anseios dos seus povos, condição assaz propícia a que os fundamentalismos medrem. E de que resultou uma cada vez maior consciencialização dos mais jovens, arautos das transformações em curso, as quais dificilmente serão controladas pelos habituais «governantes de segunda linha», tipo partidos esclerosados e sindicatos acomodados.

E se é inquestionável que os tempos actuais anunciam o fim das ditaduras a curto ou médio prazo, menos evidente parece ser que também serão o preâmbulo de uma nova era em que as «organizações do poder» assentem numa dialéctica de permanente controlo e fácil sufrágio por parte dos representados, que lhes permita ter o efectivo poder de decidir «como se reparte o pão», muito mais do que a ambição de (se) substituírem aos (tradicionais) donos do mesmo.

Será, em suma, um regresso (necessário) à essência da Revolução Francesa, a qual, antes de libertar os presos, tratou de ir à Bastilha recuperar os cereais aí armazenados para aliviar, com Pão, a fome dos humildes!

Ser o exemplo da juventude egípcia a mola propulsora desta transformação é motivo de duplo regozijo para quem, como nós, aceita as virtudes da rebeldia criativa inerente à juventude e, por outro lado, julga importante a ancestral sabedoria de todas as culturas; neste caso da egípcia, decisiva para «a Cultura do Pão», a qual, irradiando do Mediterrâneo, se transformou em Universal.

E, ao contrário do que propagam os estrategas do terror, que tal venha a ser possível com o contributo dos «Irmãos Muçulmanos», não só não é motivo de preocupação como, em nossa opinião, é outrossim motivo de cauteloso entusiasmo, ao menos enquanto e se essa organização «maçónica» não for atravessada pela ganância e a opulência que, no Mediterrâneo Norte, transformou grande parte dos seus «irmãos pedreiros» que chegaram à esfera do poder em verdadeiros e descarados … usurpadores, ao menos na insensibilidade com que arrecadam «o pão» em offshores, distribuindo míseras «migalhas» que já nem chegam para «matar a fome» à plebe que se esforçam por manter… alienada e ignorante.

Até ver, como dizia o poeta-cantor e os próximos tempos se encarregarão de nos esclarecer.

Decisivamente, estamos em crer, quando a juventude israelita, tão generosa quanto a egípcia, liberta das amarras que a alienam, se levantar para, em uníssono com as demais, proclamar o direito a que todos os povos vivam em harmonia, com Liberdade, com com Pão e em Paz . Tanto em Jerusalém, em Gaza e na Cisjordânia, como nas margens do Nilo, do Tigre ou do Eufrates.

Tal como no Tibete, na China, no Afeganistão ou no Irão, em Angola, no País Basco ou na Madeira.

Enfim, em todo o Novo Mundo que, não duvidamos, já aí vem, depois de derrotarmos sem apelo nem agravo os que promovem e se governam do terror, da miséria, da alienação e da ignorância!